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Reportagem especial: Quem era Seu Cândido, um dos primeiros coveiros de Jaguarari

Seu Cândido - Foto: Arquivo da família

Quem tem a morte como rotina não pode ser feliz. Mas é que no caso dos sepultadores, a morte deixa de ser morte. Vira apenas um dos instrumentos de trabalho, tal qual pá, enxada, cordas, cal e cimento. Se não fosse assim, quem exerceria a função em momento tão delicado? Talvez não haja pessoas melhores para tratar sobre a consciência da brevidade da vida – e, até medo dela. A história de hoje ressalta a pessoa e, o trabalho de Cândido Tibúrcio da Silva, já falecido, popularmente conhecido como “Seu Cândido”, ele foi um dos primeiros coveiros de Jaguarari. Quem conta um pouco desse enredo é a viúva de Seu Cândido, Eufracina Maria da Silva, conhecida como “Dona Flávia”, de 80 anos de idade. 

Seu Cândido exercia a função de sepultador, mas realizava também exumações e a limpeza do cemitério de Jaguarari. “Sempre que precisávamos dele (Seu Cândido), a qualquer hora, íamos em sua residência chama-lo, para que efetuasse a exumação de algum cadáver, ele pegava a pá, a enxada e as cordas para puxar o caixão, na maioria das vezes sozinho, numa facilidade. Uma vez pedi a ele que retirasse os restos mortais de meu avô, em meados dos anos setenta (70), e com todo cuidado ele removeu, para colocar em uma carneira”, relatou o Suboficial Guimarães da Delegacia de Polícia Militar (DPM), na época soldado, em Jaguarari. 

“Ele cavava as covas, arrancava (exumava) os defuntos também, por que as vezes morriam, ou matavam alguém aí a fora, aí enterravam aqui, quando os donos (familiares) chegavam, queriam para desenterrar, para levar o corpo, para a terra deles, como teve um de Campinas, que faleceu, mataram aqui, e enterraram aqui, aí veio os familiares buscar, ele foi até mais as meninas (familiares), ele disse: ‘vocês não vão não que vocês não aguentam ver, é muito feio minha filha’, mas eles foram. Quando foi uma vez, mataram um médico de Salvador, para as bandas da barrinha, e os familiares vieram pegar, acharam ele dentro de uma poça d’água, levaram ele daqui (Seu Candido), ele e Pedro Horácio (outro coveiro), aí acharam o corpo lá, a polícia tava junto, aí foram arrancaram ele, lavaram o homem todo lavadinho e, os familiares estavam olhando. Ele chegou aqui sorrindo, bêbado, bebia pra fazer um trabalho assim, e quando acabou, eu perguntei: mas rapaz que negócio é esse? Oxe ô minha veia, foi um trabalho terrível”, disse Dona Flávia. 

Dona Flávia, viúva de Seu Cândido - Foto: Portal Jaguarari

O trabalho que Seu Cândido realizava com maior tranquilidade, chamava a atenção de pessoas de outras cidades que viam buscar os familiares enterrados em Jaguarari, para sepultar em suas cidades onde nasceram. 

“Aí lá vem ele (Seu Cândido) naquele colégio, com a pá no ombro, a ferramenta, bêbado, até com a roupa de trabalho, aí os homens trouxeram ele, vinha trazendo ele, ‘venha seu cândido’, tiraram a foto e entregaram na Delegacia [A foto não foi encontrada], aí veio chegou aqui e eles disseram, me lembro, ‘esse homem, é o maior homem daqui de Jaguarari, por que o trabalho que este homem fez, ninguém mexa com este homem, por que esse é o homem daqui, e se vê alguém judiando ele, não judie dele, se vê ele bêbado por aí, a gente vê que ele toma umas caninha mesmo, pegue e leve pra casa”. 

Com orgulho, Dona Flávia, falou do marido, pois era um homem de bem, trabalhador, engraçado, gostava de beber uma cachaça em virtude do trabalho árduo que realizava. 

“Graças a Deus ele era muito bom. Ele cavou muita cova aqui em Jaguarari, quando acabava ele dizia: ‘só que eu planto, quando acabar não nasce ninguém, não nasce nenhum’, ele era engraçado, tinha vez, que ele tava aqui dentro de casa, se levantava, pegava o paletó, jogava no ombro, eu perguntava: pra onde ele ia, ele dizia: vou dormir lá em minha casa, vou dormir lá no cemitério, ou que tivesse bêbado, ou tivesse são, ia dormir lá, ele dizia que lá era lugar mais sossegado. Foi um bom pai, foi um bom marido graças a Deus, foi um bom esposo, não andava me judiando, nem judiava os filhos também, não tinha mal vivencia com ninguém, graças a Deus nunca foi preso, bebia suas cachaças, mas era direito”. 

“Meu veio trabalhava muito, ele num deixava eu ir pegar lenha, água era ele quem botava, não deixava eu quase trabalhar, por isso eu digo as minhas filhas, hoje se ainda tenho está coisa assim... você não está velha, você tem oitenta anos, mas não parece, agradeço meu veio né, pois ele me zelava bem, tanto ele me zelava, quanto zelava os filhos. Aí quando ele faleceu aí fiquei com oito filhos, só tinha quatro de maior”. 

Dona Flávia, fala da importância do ex-prefeito Dr. Edilberto Sá, após o falecimento de seu marido. “Edilberto (ex-prefeito) pra mim foi um pai, por que nós trabalhava numa leira, nos trabalhava no tororó, quando ele morreu, eu fiquei com esse filhos, aí Edilberto empregou nós, comprou a leira e tudo, quando acabar pagou a leira e tudo, no outro dia fui trabalhar de carteira fichada”, agradeceu Dona Flávia. 

Dona Flávia também disse que as vezes seu marido, estava deitado a noite, conversando com as almas, ela perguntava o que era, e ele falava que era tal pessoa que morreu que estava ali. 

Cemitério São João Batista - Foto: Portal Jaguarari

Seu Cândido começou a trabalhar na época em que o prefeito era Dr. Raul, quando era chamado de Cemitério velho, posteriormente foi construído o Cemitério novo, um terceiro local foi construído anos depois devido a lotação dos anteriores, as três construções hoje são interligadas, e chama-se de Cemitério São João Batista, em frente foi construído em 2016 um novo cemitério. 

Seu Cândido trabalhou mais de 30 anos nos dois primeiros cemitérios e ainda realizava a limpeza das ruas, querido por todos, ele faleceu em 13 de julho de 1985, aos 66 anos.

Por João Carvalho, Jair Paulo, Douglas Silva do Portal Jaguarari 

CONFIRA O VÍDEO COM  O DEPOIMENTO:

 

A reportagem é uma homenagem a Cândido Tibúrcio da Silva “Seu Cândido” 

Agradecimento especial: Eufracina Maria da Silva e família

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