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Fato histórico: Há 87 anos o cangaceiro “Arvoredo” era morto por dois jovens em Jaguarari

Cangaceiro "Arvoredo" - Foto: Reprodução/Cangaço na Bahia

O cangaceiro Arvoredo nascido em 1905, cujo nome real era Hortêncio Gomes da Costa. Também ficou conhecido, por assim se identificar, como Hortêncio Gomes da Silva, Hortêncio Gomes de Lima, José Lima e José Lima de Sá. 

Arvoredo morreu em 26 de maio de 1934, na serra, próximo à estação ferroviária da Barrinha, por então conhecida como "Angicos", zona rural de Jaguarari (BA). Os dois matadores foram Cícero José Ferreira, o Xisto, que nasceu em 1911, e João Biano da Silva, que nasceu em 1913. 

Xisto e João Biano - Foto: Reprodução/Cangaço na Bahia


Depoimento de Risa Galdina dos Santos Conceição, em 2010, então com 83 anos, de Jaguarari/BA: 

O bando de Arvoredo tava escondido na Serra da Conceição, quando o chefe do grupo resolveu descer pra pegá água. Enquanto isso, dois jovens, o João da Biana e o Cícero José Ferreira, o Xisto. Eles estão na mata à procura duns jumentos que haviam desaparecido. No meio da mata, eles se encontraram com Arvoredo que obrigou eles a segui ele. O cangaceiro ia conduzindo os dois pra mata fechada. 

E eles imaginando que a intenção do bandido era conduzi ele até o bando para matá. Começaram a fazer sinal um pro outro para dominá ele. João Biano estava com um canivete e Xisto com um facão. Num momento, João derrubou Arvoredo e começaram a rolar pela caatinga. 

Aí, o Xisto tentou fugir e o João gritou: 

- Se fugir eu te pego depois!

Durante a luta, o cangaceiro tava pesado, todo aparatado. Acabou desarmado e recebeu várias furadas de canivete. Os rapazes saem para irem embora quando lembram que precisam levar alguma prova para a polícia. Quando voltam, encontram Arvoredo já de joelho. O qual implorou por Nossa Senhora para não morrer. Mas, depois de arrancar-lhe o patuá que carregava no pescoço, ele foi sangrado a golpe de facão... 

Para levar como prova cortaram a mão para mostrar às tropas da policia que se encontravam em Barrinha. Eles se reuniram indo em companhia dos dois rapazes ao local onde estava o corpo, que tava no mesmo lugar. Levaram para o Povoado de Barrinha e que foi é trazido de trole para a sede de Jaguarari. 

Eu fui ver o corpo quando chegou na estação. Depois disso, nunca mais eu fui ver pessoas que morrem de acidente, pois fiquei com trauma do que vi. Oh! coisa feia. Sei que tá enterrado no cemitério velho de Jaguarari próximo ao cruzeiro." 

Xisto e João Biano receberam uma recompensa de 4 contos de réis das mãos do Capitão Philadelpho Neves, evento ocorrido na Prefeitura de Senhor do Bonfim, que contou com a presença de várias autoridades - Foto: Reprodução/Jornal A Noite


João Biano está enterrado na Fazenda Saco e Xisto está sepultado na Fazenda Mulungu, zona rural de Jaguarari. 

Depoimento de Vicente Romualdo dos Santos, em 2010, então com 97 anos, de Jaguarari/BA: 

"Quando eu morava com papai Felix, em São Miguel, foi quando chegou Arvoredo, Calais com seu bando e começaram a fazer perguntas sobre a polícia volante, a riqueza dos fazendeiros entre outras coisas. Meu pai não deu informações. Então eles pediram para que ele não os denunciasse. Mas ele fez o contrário e a polícia foi atrás deles. Um vizinho, coiteiro do bando, avisou que papai havia denunciado.

Passaram-se alguns dias e Arvoredo morreu próximo a Barrinha [em 26 de maio de 1934]. Após sete dias de sua morte, Calais e seu bando voltou à Fazenda São Miguel encontrando eu e meu irmão na roça de mandioca. Sabendo que os assassinos de Arvoredo são parentes do meu pai e que ele havia denunciado o bando, fizeram muitas perguntas. 

Então Calais mandou nos amarrar. Então eu, que me encontrava resfriado, senti um calor subir no corpo, e pedi a Nossa Senhora que me protegesse. Calais percebeu essa reação e mandou me segurar. Juremira foi quem agarrou. Foi então que reagi e lutei com ele até cair os dois no chão. 

E então consegui me soltar e correr até a porteira que estava aberta. O bando atirou, mas as balas passaram por eu e só uma pegou na manga da camisa. Pensei que meu irmão havia corrido também. Fui em casa e contei a meus pais. E fui a Jaguarari contar à polícia. Mas, em Jaguarari, não havia soldado suficiente. E o delegado Zé Gringo buscou reforço em Bonfim. E somente no outro dia iriam ao local do acontecimento. 

Na mesma noite, eu fui à casa de João Resenaldo, e lá apareceram João Biana, Xisto e outros homens dispostos a irem ao local da luta. Mas não tinham armas. Foram à casa de algumas pessoas. Zé Ferreira, Zé Melado e outras, conseguindo armas, indo até a roça. Chegando lá, encontramos Antônio dos Santos, meu irmão, morto. Estava sangrado, com a boca cheia de terra, para não gritar, com nove facadas no peito e o rosto todo cortado. Eu coloquei ele em cima de umas tábuas no jumento e o levei para casa. E os demais foram procurar os bandidos. 

Passado algum tempo, apareceu uma espírita, de Petrolina, trazida por minha sobrinha. Ela entrou na casa pela porta da frente e parou na porta dos fundos. Perguntou:

– Seu Vicente... Seu irmão que morreu gostava de tomar café? 

Eu disse que sim, então ela pediu café em pó e açúcar. Pôs em uma vasilha e colocou brasas. A fumaça tomou a casa. Ela disse que, no canto do alpendre, eu deveria conservar sempre com uma luz, porque havia alguém ali. Após isso, a mulher recebeu o espírito de alguém. Eu ouvi uma batida na parede e a mulher falou: 

- Boa noite, ô irmão, sabe quem eu sou? 

E eu disse: 

- Não. 

– Você tá falando com seu inimigo. 

E me abraçou. Eu senti que os ossos quebraram-se. A mulher falou: 

- Até hoje eu era seu inimigo. Agora sou seu maior amigo. A partir de hoje você só tenha medo dos castigos de Deus, porque dos males da Terra eu lhe livro.

Então eu reconheci. Era Arvoredo. Disse ainda Arvoredo: 

- No dia que seu irmão morreu, eu estava lá. 

Depois a espírita recebeu meu irmão Antônio. Ele disse: 

- Irmão. Aquela era chegada à minha hora. Agora eu vou ver minha mãe. 

Outro dia, a mesma mulher voltou até minha casa onde encontrou todos dormindo. Ela chamou:

- Vicente! 

Em um dos cômodos, ela recebeu novamente o espírito de Antônio que disse:

- Agora eu vou me libertar...

Nesse momento vi a mulher colocar grande quantidade de terra pela boca até ficar com a voz limpa. Tempos depois eu fui a Petrolina, à casa da espírita e no Salão de suas consultas. A espírita recebeu doutor Antônio, que perguntou a mim se eu sabia dos benefícios que ele, o doutor Antônio, já fez. Nisso apareceu o esposo da espírita vestido de cangaceiro e tocando sanfona. 

A mulher recebe Arvoredo que me chama no salão e coloca as mãos em meu ombro e pede para eu contar como foi sua morte. E depois disse: 

- Fui morto por dois meninos... um de catorze e outro de quinze anos... Nunca pensei que o perigo estivesse ali. 

Alguns anos depois, a mulher voltou à fazenda de nossa família e pediu para nós irmos ao cemitério para arrumar a cova de Arvoredo. A cova estava funda. Após arrumar a cova, rodearam velas na mesma e acenderam. 

Arvoredo apareceu novamente através da espírita. O céu estava fechado. Era época de inverno, parecendo que ia chover. Estava escurecendo. Arvoredo falou:

- Graças a Deus, agora tou liberto... As armas que estavam comigo caíram agora... 

O céu se abriu e num clarão ele disse: 

- Meu espírito está agora como o céu... 

A espírita acendeu vela em todos as covas, mas ao chegar no canto do cemitério não consegue acender em uma carneira antiga. A vela apagava. 

Em outra ocasião a espírita retornou ao cemitério na companhia minha e de duas pessoas ajudantes para colocar uma cruz de ferro no túmulo de Arvoredo.

Daí eu sempre acendia velas e rezava um “Pai Nosso” para a alma de Arvoredo. Hoje em dia, estou com dor nas pernas, por causa da velhice. Estou impossibilitado de ir ao cemitério mas oro em casa.” 

Objetos pessoais de Arvoredo - Foto: acervo de Ivanildo Silveira

Local onde está enterrado Arvoredo - Foto: Portal Jaguarari


Detalhe da placa da sepultura - AC = Arvoredo Cangaceiro


Depoimento de "Arvoredo", quando preso. 1927, copiado em extrato em inquérito policial de 1929: 

José Lima, (que é o mesmo Hortencio Gomes de Lima ou José Lima de Sá, vulgo “Arvoredo”) estava;em Juazeiro, onde foi preso a pedido da autoridade policial de Jaguarary, alli;chegou a 5 sendo ouvido em auto de perguntas. Declarou “ser filho de Faustino Gomes, vulgo “Banzé” e Maria de Jesus, natural de “Salgado do Melão”; que dalli partiu;com destino a São Paulo, encontrando–se em Varzea da Ema com João de Souza,;(Cicero Vieira Noia) seu conhecido e João Baptista (que é o mesmo Christino ou “Curisco”); que em caminho se encontraram com Manuel Francellino, vindo em sua; companhia para Jaguarary, pernoitado em casa delle os tres; que moraram cerca de oito dias em casa de Antonio Piahy, até que alugaram uma casa a Demosthenes Barboza, por intermedio de João Baptista, seguindo na terça feira, 30 de Agosto para Juazeiro, a negocios, sendo alli preso na sexta feira ultima, dois do corrente; que antes de chegar á “Santa Rosa” com seus companheiros de viagem, o de nome João Baptista propoz para todos mudar de nome, ficando o depoente com o de Jose Lima, lembrando–se tambem que depois de se acharem nesta Villa, com João Baptista e João de Souza ou Cicero, foram á cidade de Bomfim, alli se hospedando na pensão de Piroca, por indicação do cel. Alfredo Barboza; que pretende não se juntar mais com João Baptista e João de Souza, caso se encontre ainda com os mesmos, pretende se retirar desta Villa depois de pagar o que deve ao senhor coronel Alfredo Barbosa”. (fls.208–210). 

De depoimento da mãe de "Arvoredo", colhido em inquérito policial, em 1929: 

"Maria de Jesus e tambem da Conceição, mulher de Faustino Gomes da Costa (“Banzé”) ou “Pae Velho”, do grupo de “Lampeão)) foi ouvida nesta mesma data e affirmou que ha tres mezes reside em “Olhos d’Agua”; que o apellido de “Arvoredo” foi posto em Hortencio por seus irmãos, quando era pequeno; que tem cinco filhos – Hortencio, Ambrosio, Raphael, Sylvestre e Manoel, vulgo “pé de meia”, os quais têm sobrenome de Gomes da Costa que Hortencio tem, alem deste nome, o de José Lima; que seu filho “Arvoredo” acompanha “Lampeão”, por ser amigo de infancia de Christino, conhecido por João Baptista da Silva, vulgo “Corisco”; que João Baptista é filho de Firmina, empregada na fabrica de linhas da Pedra, Estado de Alagoas e Manoel de tal, já fallecido, na Matinha de Agua Branca, com parentes residentes na fazenda “Sitio”, de Salgado do Melão.

Por Rubens Antonio 
Cangaço na Bahia

Recortes e adaptação
Portal Jaguarari

Um comentário:

  1. No ano de 1932, na fazenda caatinga de Porco, meu pai João Ferreira dos Santos, conhecido como João Coré, com 17 anos de idade, estava caçando quando chegou em sua casa, sua mãe Isabel dos Santos lhe disse: João, fuja pras Jacobinas ( que era o nome dado naquela época para essas terras de Jaguarari), pois o Calais veio aqui atrás de você com um punhal na mão dizendo que irá te sangrar, que até amanhecer o dia você não escapa, por ter tomado prosa com Delmira. O mesmo pegou um burro a noite, e veio parar no cajueiro, o medo foi tão pequeno, que meu pai morreu com 83 anos, em 1997, abandonou suas terras e nunca mais voltou à caatinga de porco.

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